Resenha – Harry Potter and the Cursed Child

Não leia Harry Potter and the Cursed Child
por Rafael Chagas Lins

Sim, o título polêmico foi intencional – mas, para entendê-lo, gostaria que você me acompanhasse ao longo desse texto. Vamos nos dar essa chance?

Antes de qualquer comentário sobre o livro, queria que você, leitor de todos os livros de Harry Potter e que assistiu todos os filmes, faça um esforço mental e volte para 2001, ano de estreia do primeiro filme da série. Lembra como foi doloroso não ver Pirraça nas telas? Ou perceber que determinada cena foi simplesmente cortada do filme, sem nenhuma razão aparente? E como foi ruim ter essa sensação ao longo dos sete filmes seguintes?

Falando por mim, até atingir um certo nível de “maturidade cinematográfica” (que, confesso, até hoje não chegou), sempre critiquei as adaptações para o cinema. “Absurdo não explicarem direito quem são os Marotos”, “cadê a Esfinge, gente”. Até que, em um dado momento, me dei conta que por mais fã que eu fosse era humanamente impossível exigir o nível de detalhamento do livro em um filme de duas horas. Aceitei que cinema e livro são linguagens diferentes, que cada um tem suas especificidades e que eu devia respeitá-los em suas particularidades. A partir daí, comecei a assistir aos filmes com outros olhos – inclusive, minha eterna gratidão a Alfonso Cuarón por ter nos colocado em contato com uma experiência cinematográfica de alto nível ainda tão no começo da série.

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Mas por que todo esse falatório? Por uma simples razão: esse livro não foi feito para ser lido. Vi muitas críticas na Internet e, principalmente, durante o evento de lançamento organizado pelo Clube da Fênix (o qual sou fundador, com muito orgulho) no último dia 30 de julho sobre o quão raso, sem detalhes e “fanficcionado” Harry Potter e a Criança Amaldiçoada (nome oficial em português, tá gente? Será lançado no dia 31 de outubro, pela Editora Rocco) supostamente é. Ao ser anunciado como a oitava história, o imaginário de todos os fãs, certamente, se remeteu à escrita clássica de J. K. Rowling. Com inícios e finais de capítulo que convidam para a leitura e praticamente nos obrigam a não abandonar o livro no meio do caminho.

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Mas, de novo: esse livro não foi feito para ser lido. O oitavo “livro” de Harry Potter, na verdade, é a oitava “história” da série. É o roteiro original, escrito a seis mãos por J. K. Rowling, Jack Thorne e John Tiffany, utilizado nos ensaios da peça que estreou no dia 30 de julho em Londres, no Palace Theatre. Esse livro, portanto, foi feito para ser visto. E, mais especificamente, visto ao vivo. Roteiros de teatro possuem uma estrutura completamente diferente de livros de narrativa: as falas são diretas, sempre indicadas previamente pelo respectivo personagem; as descrições das cenas são mais objetivas e funcionam como elemento de contextualização. Isso tudo porque, mais importante que o texto escrito, o desenrolar da cena no palco precisa fazer sentido com figurino, cenário, sonoplastia, iluminação, atuação e, nesse caso, (muitos) efeitos especiais. O roteiro, na verdade, funciona mais como um guia da história do que algo fechado, amarrado, imutável. Teatro abre margem para improvisações, erros técnicos, “brancos” e o roteiro precisa levar em consideração todas essas variáveis.

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Assim que terminei de ler o livro, minha cabeça borbulhava. Eu via naquele texto as mesmas reviravoltas de narrativa dos outros sete livros, obviamente apresentadas de maneira completamente diferente. Também percebi que não existem side stories: todo o roteiro, assim como nos filmes, se prende ao plot principal – veja que maravilha saber que você vai assistir (espero eu) algo exatamente igual ao que você leu? Aquela decepção com os filmes já era! Outra coisa que me deixou muito aflito era imaginar determinadas cenas porque, por ter consciência de que estava lendo uma peça teatral, eu imaginava a descrição escrita em cima de um palco, não em um “mundo paralelo” (que, sejamos sinceros, é como basicamente imaginamos todo e qualquer livro que lemos). Esse exercício de imaginar as cenas no palco, inclusive, foi o que mais me motivou a ler a história toda. O nível de complexidade da produção desse espetáculo, certamente (como salientado pelas críticas, inclusive) deve ser um dos mais elaborados das últimas décadas – e estamos falando de West End, a Broadway inglesa.

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Tente ler esse roteiro imaginando cada cena no Palace Theatre, com os atores em cena, ao vivo, rodeados de efeitos especiais executados igualmente ao vivo. Foi o que eu fiz e por isso o título da crítica: não leia o livro – visualize-o. A minha experiência foi boa, quase mágica. Só não digo maravilhosa porque foi impossível não querer aparatar em Londres para assistir à peça na mesma hora.

Tente, também, não julgar indiscriminadamente J. K. Rowling. Não a acuse de ter jogado sua história nas mãos de outras pessoas de qualquer jeito. Tente pensar que ela, enquanto criadora de todo esse universo, confiou à duas outras pessoas a responsabilidade de contar uma história pensada por ela, mas em um formato completamente diferente do que ela tinha experiência. E não, roteiros de filmes não são iguais aos de teatro – além de que ela entrou em contato direto com oito roteiros cinematográficos ao longo dos últimos 16 anos, mas nenhum de teatro.

Tente, principalmente, abrir a cabeça para novas linguagens e formatos. Estamos em 2016 e, como disse um amigo meu no lançamento do livro, não consumimos Harry Potter da mesma forma que a série começou. Foi-se o tempo que só tínhamos filme e livro para entrar em contato com a série. Quer prova mais concreta do que o próprio Pottermore?

E posso soltar um pequenino spoiler?

Pirraça, dessa vez, não foi esquecido por completo. Obrigado, JK.

 

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Fabbio vila

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