CRÍTICA – AQUARIUS

A dicotomia de um filme tão nostálgico mas que captura o zeitgeist atual do país com precisão. Aquarius começa nos anos 80, e nos arremessa mais para trás ainda em flashes da memoria de uma tia da protagonista. Ao fim, chegamos no presente. O primeiro ato impregna no apartamento, nos moveis, com a história da família. Anterior até mesmo a protagonista Clara (interpretada por Sonia Braga no presente, e Barbara Colen nas cenas nos anos 80). Uma sensação familiar a quando entramos na casa de nossas mães e avós, com suas penteadeiras e cristaleiras, suas bibliotecas e suas coleções de vinis cheias de histórias.

Quando chegamos ao presente, somos rapidamente apresentados a situação principal do filme. Apenas Clara resta no prédio, o resto de seus vizinhos todos já comprados pela empreiteira que tem um projeto de arranha-céu para a orla da cidade. Seu apartamento uma ultima ilha de memória numa orla completamente diferente. Mas o confronto entre nostalgia e progresso não se desenha de forma simples. Há muito progresso revelado em Clara e sua família, enquanto seus antagonistas, da empreiteira, um empresário e seu neto com formação “de business” americana, ao mesmo tempo que simbolizam uma idéia de progresso, carregam em suas metodologias muitos vícios do passado de nosso país.

Foto por Victor Juca

Zoraide Coletos

A atuação de Sonia Braga, um retorno depois de muitos anos longe das telas brasileiras, é muito viva e honesta, transformando Clara em uma pessoa da nossa família. As suas relações com as pessoas que a cercam são como as de nossas mães, nossas avós. A família de Clara é como a nossa família – inclusive em suas relações confusas com a empregada, com as fronteiras entre ser patroa e ser amiga esfumaçadas. Zoraide Coletos, que interpreta a empregada de Clara, faz um excelente trabalho em sua primeira participação em um longa-metragem, assim como Pedro Queiroz e outros no elenco dada a preferência do diretor Kleber Mendonça Filho de trabalhar com não atores.

A narrativa de Kleber, que roteirizou e assina a direção do filme, avança por entre janelas do dia a dia de Clara,

Foto por Victor Juca

Kleber Mendonça Filho no set de Aquarius

que individualmente não movem a narrativa da forma ‘Syd Fieldiana’ que o cinema americano nos acostumou, mas vão formando o grande mosaico da situação e dos personagens que o filme propõe acompanhar, uma linguagem que quem assistiu “O Som Ao Redor”, primeiro longa de Kleber, já está familiarizado. Assim como o primeiro ato nos imprime tanta historia naquele apartamento, os atos seguintes vão trazendo vida a vizinhança, e seus personagens. Kleber é muito bem sucedido em desenhar um mundo vivo. Se muito marcadamente recifense, ainda assim conhecido para todos os brasileiros.

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Vicente Marinho

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