Com direção de Flavia Moraes e roteiro assinado por ela e Marcélo Ferla, o documentário Milton Bituca Nascimento transcende a proposta de um simples registro de turnê. Em vez de apenas acompanhar o adeus aos palcos, a produção mergulha na trajetória de um dos maiores nomes da música brasileira, construindo uma narrativa que revela não só a lenda, mas o homem por trás dela.
A presença de Fernanda Montenegro como narradora reforça o tom de homenagem. Com sua voz marcante, conduz o espectador por uma jornada que não se limita a datas e eventos, mas investiga o impacto cultural e emocional da obra de Milton Nascimento. São 40 depoimentos de lendas da música, do cinema e da arte, que ajudam a costurar essa história rica e multifacetada.
A influência do som das locomotivas na infância de Bituca é um dos pontos-chave do documentário, revelando como esse elemento moldou sua identidade musical. Mas definir seu estilo não é tarefa fácil: Quincy Jones o chama de “jazz da América do Sul”, enquanto Sérgio Mendes afirma que sua música escapa a rótulos. Caetano Veloso, por sua vez, enxerga Milton como um artista que transcende gêneros, expressando sentimentos de forma única.
O documentário se expande além das fronteiras brasileiras, acompanhando o cantor em Los Angeles e Veneza, onde a despedida se mistura a reencontros e reflexões sobre sua carreira. O cineasta Spike Lee, grande admirador de Bituca, também faz questão de deixar seu tributo.
A obra não se esquiva de questões sociais e políticas. Ao lado de Djavan, Mano Brown e Criolo, Milton revisita as barreiras raciais que enfrentou. O Brasil, ainda marcado pelas heranças da escravidão, demorou a reconhecer a grandiosidade de artistas negros, e o documentário destaca como Bituca ajudou a romper esses paradigmas. Chico Buarque e Gilberto Gil relembram os desafios da censura durante a ditadura militar, ressaltando o papel de Milton em driblar a repressão com suas letras enigmáticas.
Outro momento de grande sensibilidade surge quando Bituca fala sobre a adoção de seu filho, expondo sua visão sobre família, amor e reencontros. Entre memórias e despedidas, o documentário capta um Milton que parece mais jovem ao final da turnê, revitalizado pelo carinho do público e dos amigos.
A emoção conduz toda a narrativa, tornando impossível não se envolver com a história contada. Mais do que um documentário musical, Milton Bituca Nascimento é um tributo a uma vida dedicada à arte. As participações internacionais reforçam um ponto essencial: a música de Milton Nascimento é sentimento puro, e sua interpretação é o que a torna tão poderosa.
A escolha de Fernanda Montenegro como narradora não poderia ser mais acertada. Sua condução poética dá um tom quase mítico à trajetória de Bituca. Com uma edição que mistura depoimentos do próprio artista e de seus convidados, a produção constrói um testemunho oral que se eterniza nas telas.
Ao fim, fica claro que este não é um filme sobre despedida, mas sobre permanência. O legado de Milton Nascimento segue vivo, ecoando por gerações e reafirmando seu papel como um dos maiores artistas da história da música.