Star Wars: um mito moderno

Star Wars. Ah, como apenas duas palavras conseguem despertar tantas emoções e resumir tantas coisas que estão aí por quase quarenta anos. É tão poderosa e emocionante a sensação que essas duas palavras nos despertam que parece um velho amigo o qual sempre que reencontramos é um suspiro de alegria. Existem alguns motivos para isso e o primeiro e mais aparente é que é uma das grandes obras da humanidade, não só estética, conteudística ou no sentido de ter revolucionado todo o cinema e arte pop que vieram depois, mas também porque Star Wars tem poderosas vigas de sustentação por trás de si: os mitos, toda uma gama de sonhos coletivos. Vamos com calma.

Jung

Carl Jung e o inconsciente coletivo

Na psicologia analítica desenvolvida por Carl Gustav Jung, arquétipos são “imagens primordiais” que se originam de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Eles são as tendências estruturantes e invisíveis dos símbolos, ou, para lermos suas próprias palavras, “no concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo, estamos tratando de tipos arcaicos – ou melhor – primordiais, isto é, de imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos”. Mas, caro leitor, você pergunta em que diabrura eu quero chegar com isso, veja: nunca lhe chamou atenção que, invariavelmente, tantos mitos (não entenda aqui mito como mentira, mas como uma narrativa psicológica da humanidade) falem de tantas coisas iguais, no cerne? Que O Verbo de João 1:1 seja o mesmo OM dos upanishads indianos, que a narrativa da criação das coisas por Unumbotte seja o mesmo que a de gênesis, que tantos dragões nos mitos europeus guardem em suas cavernas coisas que não precisam, que exista A jornada do herói, ou, como já disse no texto sobre Saruman, que as forças divinas e naturais sempre vençam o impulso intelectual e industrial humano e etc.? Os mitos são tão poderosos para nós porque são arquétipos de nossa própria inconsciência coletiva que os recria de época em época seja em povos ou línguas diferentes que nunca haviam travado contato e, nesse sentido, Star Wars é um mito moderno na ideia mais fantástica que esse termo abarca.

Joseph Campbell, eminente erudito americano, desenvolveu por toda sua vida os estudos mais profundos sobre mitologia e religião comparada que temos, na sua concepção os mitos são uma forma poética de tentar entender e explicar aquilo que não compreendermos acerca do mundo e, principalmente, acerca de nós mesmos e que uma leitura poeticamente afincada deles nos faz expandir a consciência e sublimarmos a nossa experiência no mundo. Em sua vida, George Lucas conheceu, travou contato e manteve uma bela amizade com aquele que, no momento em que criava Star Wars, surgia como Obi-Wan Kenobi para si, e estudando suas ideias não teve dúvida de que queria fazer de Star Wars um mito moderno, sendo assim, realmente, algo que nosso inconsciente reencontrasse, como afirmei no início do texto.

Joseph Campbell

Joseph Campbell

Star Wars é uma obra de arte genial porque um leigo, ou, nas linguagens cool das internetes, um modinha, pode assistir-lhe apenas como alguém que vê a qualquer filme outro, como um divertimento e, com certeza, se divertirá e emocionará no fim, um outro pode vê-lo com mais engenho e procurar — e encontrará — alguma aplicabilidade para sua vida que só boas obras de arte proporcionam ou um, mais apaixonado, pode ultrapassar isso e ver, e também se emocionar, as vigas que sustentam toda aquela magnificência, ter uma outra experiência ao perceber que em Uma nova esperança enquanto Luke, Han, Leia e Chewie estão no compactador de lixo não é apenas uma cena emocionante que deixa ânsia no ar, mas um arquétipo da humanidade quando o homem se vê no âmago da besta que, ao mesmo tempo em que se interioriza e luta contra seus demônios, sofre e se desespera para escapar dali, levando nossos olhos para a história bíblica de Jonas e a baleia.

Tendo isso em vista, quero, com o tempo, explorar individualmente os mitos e arquétipos que há dentro do grande mito que é Star Wars, oferecer uma análise mais aprofundada, mostrar quando George Lucas conseguiu seu objetivo ou, por qualquer motivo, tenha falhado no meio do caminho e, como meu último texto foi sobre um arquétipo presente nO Senhor dos Anéis, o arquétipo que explorava a luta entre o Natural e o impulso industrial humano, por que não esquadrinhar, também, essa tema em Star Wars?

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O Retorno de Jedi é um grande filme, preferido de alguns, embora ache que não mais que O Império Contra-Ataca, é um filme que explora o que há de mais triste e perverso, como a guerra ou a tentação de Luke para o lado negro da força, mas também a bondade, como a redenção, o encontro com a emoção e a resistência ao impulso ao ódio e ao medo.

Ao descobrir que a segunda Estrela da Morte, ainda parcialmente construída, era protegida por um escudo defletor interplanetário, emitido da base imperial na lua florestal de Endor, ao redor da qual a estação orbitava, Luke, Han, Leia, Chewie, C-3PO e R2-D2 foram desativar a estação emissora do escudo defletor para a frota rebelde poder destruí-la. Lá, entre idas e vindas, Chewie fez o grupo cair numa armadilha rudimentar e, nesse ínterim, entre umas e outras o grupo fez amizade com um povo primitivo e fofinho chamados Ewoks.

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É pau, é pedra, é o fim do caminho

Ao tentar desativar a estação emissora, o grupo defrontou-se contra uma armadilha Imperial, falhando na missão, no entanto, quando presos, foram salvos pelos Ewoks que entraram em guerra contra aquela base mas, no entanto, flechas, paus e pedras não eram páreos para o poder de fogo do Império e sofreram algumas baixas, todavia, usando da astúcia, do número e do conhecimento do terreno, conseguiram, enfim, vencer a batalha e destruir a estação. Como no mito bíblico da Torre de Babel em que uma força divina — Natural — vence a indústria e o poderio humano, ou como os deuses ctônicos e telúricos ou até os Ents nO Senhor dos Anéis ao devastar Isengard completamente, a natureza, mais uma vez conseguia triunfar ante o engenho destruidor humano.

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Joseph Campbell, influência por trás da mitologia de Star Wars

Mas, meus amigos, nem tudo são flores, lembram-se que eu disse que em alguns momentos George Lucas não conseguiu atingir o objetivo final da recriação mitológica? Bem, esse foi um deles. Inicialmente os Ewoks foram pensados para serem Wookiees, raça do Chewbacca, seres fortes surgindo com força bruta e natural, no entanto era muito caro contratar tantas pessoas tão altas quanto o Peter Mayhew e como crianças poderiam fazer o papel dos Ewoks — e seria a maior badalação nas vendas de pelúcias para crianças —, ficou-se assim mesmo. Uma pena. Entendam: quando, nos mitos, a figura da Natureza surge, em fúria, contra a indústria humana, surge com poderio, como uma represa que é abruptamente liberada arrastando tudo, como os vulcões que mostravam, para os primitivos, o furor das divindades, a ação dos deuses ctônicos e telúricos, os Ents destruindo Isengard como mostrei no, já citado, texto sobre Saruman. Como já perceberam, algo que contrasta bastante com

É… Não foi dessa vez. Mas não se preocupe, caro leitor, Star Wars é um mar quase onírico de beleza e espanto e, na grande maioria das vezes, George Lucas acertou, nos dando muito mais pano pra manga. Pois então, fiquem atentos, a próxima publicação também pode surpreender, porém, felizmente, não mais que o gênio criativo de George Lucas.

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Sétima Cabine

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13 Comments

  • Jorge Falcão

    Muito foda, cara! Orgulho de ter um mestre assim.
    MELHOR texto sobre Star Wars que já li. hue <3

  • Jorge Falcão

    Bastante foda! Melhor texto sobre star wars que já li. <3

  • Victor Giuliano

    Star Wars é uma obra clara, expressiva e grandiosa que mesmo carregando essa nata de mensagens implícita translúcida a qualquer um. Infelizmente devo ter nascido com algum problema, mas não tenho grande afinidade pela segunda triologia. Há muitos mistérios e idéias envolvidos na criação e no desenvolvimento de Anakin e é impossível negar que mesmo sendo visto como o escolhido, fato que for desmentido, ele desse de sua adolescência já demonstrava tendências para o lado obscuro tanto na cobiça por poder como na sua paixão por Padmé.
    Poder ver “aquele que traria o equilíbrio a força” lançando a galáxia em trevas é desconcertante. Sua busca por poder destroçou sua ordem, matou seu amor e o lançou em trevas.
    Eu citaria o III episódio como sendo um dos mais grandiosos de toda a saga por nele podermos presenciar todos esses acontecimentos imundos, mas ainda sim, mesmo que distante vemos uma luz a brilhar com: a compaixão de Obi Wan por Anakin, o nascimento de Luke e Léia e a resistência do lado positivo da força.

    • Valeu, Vitão. Anakin é outra história, como conversamos, sua queda está completamente recheada de mitos budistas ainda com o âmago das tentações cristãs servindo como vigas. Certeza que num futuro farei um texto sobre o assunto.

      Bj na bunda <3

  • Luciano Melo

    Perfeito!! Kkkk parabéns! Talvez não possa elogiar com propriedade por nunca ter tido interesse nos filmes da série, talvez por ser antigo. Mas quanto à construção do texto e o sincretismo de ideias de relatos bíblicos, assim como a inclusão do trabalho do Joseph Campbell deixou tudo perfeito. Parabéns!! E se um dia me interessar saiba que vc foi o responsável! O texto tbm serviu como apresentação.

    • Assiste mesmo, Luke, você vai adorar. É uma das grandes obras da humanidade. É lindo. Assiste tudo logo pra gente ir junto pro cinema ver o episódio vii. <3

      • Luciano Melo

        😉

  • Luciano Melo

    Perfeito!! Kkkk parabéns! Talvez não possa elogiar com propriedade por nunca ter tido interesse nos filmes da série, talvez por ser antigo. Mas quanto à construção do texto e o sincretismo de ideias de relatos bíblicos, assim como a inclusão do trabalho do Joseph Campbell deixou tudo perfeito. Parabéns!! 👏👏👏👏💞

  • Anderson Anjos

    Opaaaa 10 xP !

    • Era pra ter lido e então comentado algo relevante, seu reles jogador! Quando mestrar Star Wars vou fazer tu virar escravo sexual de uma raça alienígena. :v huehue

  • Kuro

    Muito bom! O que muitos fãs deixam passar despercebido ou simplesmente não procuram, é esse lado que Star Wars e muitas outras obras possuem, de ter algum de valor intrínseco em si mesma. O próprio fato de reunir algo tão esquecido na época de 70 como a saga do herói, foi um dos motivos de seu sucesso. George Lucas criou algo digno do próprio Shakespeare, que foi buscar conhecimento histórico clássico para construir suas obras.

    • Quase que pus que considero Star Wars tão valoroso quanto a Eneida e Hamlet, mas mudei de ideia pra não aparecer hater. hahahaha. Valeu pelo comentário, Lord Kuro, muito me alegrou ter mantido contato com você! 😀

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