CRÍTICA – A VOZ QUE RESTA

O cinema nacional ganha um novo exemplar de narrativa intimista com A Voz Que Resta, longa que transpõe para as telas o monólogo teatral de Vadim Nikitin. Sob a direção e atuação de Gustavo Machado e Roberta Ribas, o filme se destaca por sua abordagem minimalista e sua construção meticulosa de um discurso que desafia o espectador a reconstruir os eventos apenas pela palavra falada.

Rodado no apartamento do próprio Machado, o filme acompanha Paulo, um jornalista introspectivo que grava uma mensagem em vídeo para Marina, a vizinha com quem viveu um intenso caso de amor. A narrativa se desenrola como um fluxo de consciência, com o protagonista refletindo sobre sua relação e revisitando memórias em uma mistura de ironia, sofisticação lingüística e vulnerabilidade emocional.

A trama é conduzida exclusivamente pelo olhar e pela voz de Paulo, que alterna entre nostalgia, raiva e devoção, criando um retrato fragmentado de sua paixão por Marina. Pequenos detalhes vão emergindo: ela é casada, os encontros eram clandestinos, e as emoções entre ambos transitavam entre o desejo e a impossibilidade. A opção por um monólogo exigente e repleto de nuances narrativas confere ao filme um caráter quase literário, destacando a força do texto como principal ferramenta de imersão.

Visualmente, A Voz Que Resta utiliza a iluminação e a ambientação de maneira simbólica. As luzes vermelhas e azuis não apenas compõem a estética, mas também traduzem os estados emocionais do protagonista. O espaço físico torna-se um elemento secundário, dando lugar aos objetos que ajudam a contar a história: livros, discos e um dicionário Aurélio, do qual Paulo extrai significados tanto literais quanto metafóricos.

Diferente da versão teatral, o longa opta por inserir flashes da relação entre Paulo e Marina, adicionando camadas visuais e concretizando aspectos antes apenas descritos. Essa escolha ajuda a dinamizar a experiência cinematográfica, tornando-a mais acessível sem perder sua essência intimista.

Porém, A Voz Que Resta não é um filme para todos os públicos. Sua estrutura de monólogo e ritmo pausado podem afastar espectadores acostumados a uma narrativa mais convencional. No entanto, para quem busca uma experiência cinematográfica diferenciada, repleta de reflexões sobre memória, amor e perda, o filme se revela um exercício intrigante de linguagem e atuação.

Gustavo Machado entrega uma performance hipnotizante, sustentando sozinho a carga dramática e o envolvimento do público. O filme brilha justamente por sua capacidade de transformar o verbo em ação, provando que o cinema pode ser, acima de tudo, uma experiência sensorial e intelectual. Para aqueles dispostos a embarcar nessa jornada, A Voz Que Resta se firma como uma obra ousada e memorável do cinema brasileiro contemporâneo.

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Giuliano Peccilli

Writer & Blogger

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