A dicotomia de um filme tão nostálgico mas que captura o zeitgeist atual do país com precisão. Aquarius começa nos anos 80, e nos arremessa mais para trás ainda em flashes da memoria de uma tia da protagonista. Ao fim, chegamos no presente. O primeiro ato impregna no apartamento, nos moveis, com a história da família. Anterior até mesmo a protagonista Clara (interpretada por Sonia Braga no presente, e Barbara Colen nas cenas nos anos 80). Uma sensação familiar a quando entramos na casa de nossas mães e avós, com suas penteadeiras e cristaleiras, suas bibliotecas e suas coleções de vinis cheias de histórias.
Quando chegamos ao presente, somos rapidamente apresentados a situação principal do filme. Apenas Clara resta no prédio, o resto de seus vizinhos todos já comprados pela empreiteira que tem um projeto de arranha-céu para a orla da cidade. Seu apartamento uma ultima ilha de memória numa orla completamente diferente. Mas o confronto entre nostalgia e progresso não se desenha de forma simples. Há muito progresso revelado em Clara e sua família, enquanto seus antagonistas, da empreiteira, um empresário e seu neto com formação “de business” americana, ao mesmo tempo que simbolizam uma idéia de progresso, carregam em suas metodologias muitos vícios do passado de nosso país.
A atuação de Sonia Braga, um retorno depois de muitos anos longe das telas brasileiras, é muito viva e honesta, transformando Clara em uma pessoa da nossa família. As suas relações com as pessoas que a cercam são como as de nossas mães, nossas avós. A família de Clara é como a nossa família – inclusive em suas relações confusas com a empregada, com as fronteiras entre ser patroa e ser amiga esfumaçadas. Zoraide Coletos, que interpreta a empregada de Clara, faz um excelente trabalho em sua primeira participação em um longa-metragem, assim como Pedro Queiroz e outros no elenco dada a preferência do diretor Kleber Mendonça Filho de trabalhar com não atores.
A narrativa de Kleber, que roteirizou e assina a direção do filme, avança por entre janelas do dia a dia de Clara,
que individualmente não movem a narrativa da forma ‘Syd Fieldiana’ que o cinema americano nos acostumou, mas vão formando o grande mosaico da situação e dos personagens que o filme propõe acompanhar, uma linguagem que quem assistiu “O Som Ao Redor”, primeiro longa de Kleber, já está familiarizado. Assim como o primeiro ato nos imprime tanta historia naquele apartamento, os atos seguintes vão trazendo vida a vizinhança, e seus personagens. Kleber é muito bem sucedido em desenhar um mundo vivo. Se muito marcadamente recifense, ainda assim conhecido para todos os brasileiros.