CRÍTICA: CAPITÃO FANTÁSTICO
Por: Emília Lima
Você conseguiria se imaginar vivendo num mundo exatamente contrário ao que se vive hoje? Comprando somente o necessário, ausente de redes sociais, dispositivos eletrônicos, carro, cidade, contas, cobranças, compromissos profissionais e aquele constante bombardeio publicitário, sem contar, claro, na poluição visual e auditiva diária na qual estamos inseridos?
Pois bem, esta é a realidade vivida pela família Cash em Capitão Fantástico (Matt Ross, 2016). Composta pelo pai, Bem, e seus seis filhos. Todos vivem à contramão da sociedade moderna. O “estranho” e “arcaico” estilo de vida dos Cash é exposto sem muita demora. Na primeira cena, contemplamos uma belíssima visão da natureza norte americana, o verde vivo das árvores e sua mata fechada de copas robustas. Até então, o silêncio. O som da natureza e seus animais. Um clima de sossego e paz a ser quebrado por Ben e sua família camuflados, à espera de um veado ser caçado por Bo, irmão mais velho, em um ritual de iniciação à vida adulta. Agora Bo é um homem formado e logo, nós espectadores, entendemos que não se trata de uma família qualquer.
Viggo Mortensen, mais conhecido como Aragorn na saga Senhor dos Anéis, interpreta Ben, pai destas crianças com um alto senso crítico graças ao estímulo dos pais, que foram nascidas e criadas longe do ambiente urbano. Tanto sabem pelos livros, pouco sabem da vida real. Todos possuem uma rotina fora dos padrões sociais atuais. Caçam, cozinham, plantam, cultivam, colhem para o consumo individual e necessário para o momento de refeição. Nem a mais, nem a menos, somente o suficiente. Cuidam da forma física através de treinamentos ministrados pelo próprio pai que incluem escaladas em penhascos ou colinas, corrida ao topo do monte, lutas e técnicas de defesa pessoal.
A educação baseia-se em aulas, também ministradas por Ben diariamente, em diferentes locais. Seja sobre sobrevivência na selva, estudo político, filosófico e antropológico. Filhos estudando, trabalhando em conjunto, sem brigas ou disputas, isentas de hierarquia. Crianças que são livres para ler, perguntar e se expressarem da forma que lhes for conveniente. Toda essa bolha de realidade é quebrada com a morte de sua esposa, Leslie, onde Ben se vê na necessidade em enfrentar o sogro. Este que insiste em realizar uma cerimônia fúnebre cristã, indo de encontro com o desejo, em testamento, da filha de ser cremada. Jack, interpretado por Frank Langella, lhe apresenta questionamentos tão plausíveis, obrigando Ben a repensar e reestruturar o estilo de vida e filosofia em prol do melhor para seus filhos.
O roteiro e direção de Matt Ross nos conduzem, primeiramente, de maneira fácil e imperceptível, à empatia e admiração da força e inteligência deste pai que tanto protege seus filhos de uma sociedade doente, lutando contra ideais tiranos e capitalistas nos tempos modernos. De modo geral, Capitão Fantástico retrata uma família liderada por um pai que cria seus descendentes numa mata longe da cidade, cuja filosofia e estilo de vida baseiam-se nos ideais de sociedade perfeita de Noam Chomsky. O filme lida de forma clara com o amadurecimento de Rellian e Bo, que passam a questionar a conduta do pai. Em um determinado momento do filme, nós mesmos, espectadores, iniciamos um questionamento sobre o futuro das crianças dentro desta conduta fechada, e ideologicamente cega de Ben. O dito “herói” torna-se o”vilão” da história.
De fato, esta produção, que transita entre a comédia e o drama, nos leva ao questionamento dos hábitos atuais. De forma tal que realizamos não ser tão necessário o uso de dispositivos, a compra sem real necessidade gerada pelo pensamento imaturo de consumo, estimulada por imagens e sons publicitários.
Assista o Trailer de Capitão Fantástico: