A Grande Muralha é uma produção curiosa. Uma co-produção sino-americana encabeçada por uma empresa chinesa que atua desde os anos 90 no mercado chinês, envolvida em múltiplas grandes produções chinesas, mas fundada e encabeçada por um americano expatriado, que tem 30 anos de experiência no mercado asiático. Um produto multicultural, com uma narrativa que descreve um encontro de culturas e uma cinematografia que traz aspectos marcantes tanto da industria chinesa quanto da industria americana. Curiosamente, um produto tão misto foi marcado pela polêmica de ter um ator americano encabeçando uma história chinesa.
Diegeticamente a presença de Matt Damon é bem justificada. É central ao plot que ele não seja chinês, e muito do conflito entre os personagens vem disto. Não que o filme nos surpreenda com plots complexos, a narrativa é simples, não inovadora, mas bem executada. As atuações não estão na altura do melhor que nós já vimos dos atores envolvidos (especialmente do William Dafoe, que não consegue trazer luz ao personagem insosso que lhe deram). Mesmo assim, faz sentido que se questione a escolha de um herói branco. Em teoria, o que essa produção busca é satisfazer os apetites do mercado ocidental e asiático. Mas o filme já arrecadou o dobro de seu custo apenas no mercado chinês, onde foi lançado primeiro. Hollywood tem mirado na china cada vez mais, e seu crescente mercado consumidor de filmes. Desta vez a china mirou em Hollywood. O mercado nos dirá se vale tanto à pena assim ter Matt Damon como herói.
Mas mesmo que o filme tenha muito peso de uma busca comercial, a produção não é sem arte. A arte apenas não é textual, das idéias ditas em dialogos, de plots complexos que se desdobram. O mérito artístico deste filme é visual. E talvez fosse mais forte ainda, sem as restrições de tentar misturar um blockbuster americano com um blockbuster chinês. Tanto a cinematografia que o diretor Yimou Zhang desenha com seu uso de cores e luzes, o balé e o espetáculo dos movimentos do exercito na muralha — não surpreende que outro trabalho de grande reconhecimento de Zhang para o publico ocidental tenha sido a abertura dos jogos olímpicos de Beijing — quanto a composição gráfica dos efeitos especiais da Industrial Light & Magic trazem resultados bonitos para a tela, mas a colaboração de dois mestres em seus respectivos mercados e linguagens não chega a altura do melhor produto de cada um, individualmente.
Ao fim, um bom produto que vale a pena e vai bem acompanhando de pipoca e refrigerante. Mas talvez o aspecto mais memorável do filme não seja sua boa cinematografia e sua execução competente de um roteiro decente e sim sua grande estrategia econômica. Ainda há muitos ajustes a ser feitos, mas A Grande Muralha mostra uma potencial mudança na balança, e agora a força das grandes produções cinematográficas está se movendo do oeste americano para o leste da asia.