Crítica – Feud

A mais recente antologia de Ryan Murphy sem dúvidas é uma das melhores séries desse ano. Com oito episódios, muito bem escritos, o programa conta a estória da lendária rivalidade (que nomeia a série) entre as atrizes Joan Crawford (Jessica Lange) e Bette Davis (Susan Sarandon) nos bastidores de Hollywood. A trama se inicia no que parece ser o inicio do fim da carreira das atrizes, tanto Crawford quanto Davis não encontram mais papéis numa indústria machista e que preza pelas mulheres mais belas e jovens. A maneira como o seriado te aproxima dos personagens, nas dificuldades e acontecimentos de suas vidas; com os seus maneirismos e trejeitos; suas individualidades e caraterísticas; somado ao jeito sagaz em que a estória é contada, faz a experiência de assistir Feud ser muito boa e instigante. Além de Murphy, Michel Zam e Jaffe Cohen são os outros nomes por trás das câmeras (co-criadores).

O protagonismo de mulheres decadentes é uma característica das histórias de Murphy, além de um planejamento narrativo onde os grandes eventos são bem construídos, mas podemos observar algumas pequenas mudanças de construção de personagem e da própria estória em Feud (justamente por conta da mão dos outros grandes nomes envolvidos na produção, os co-criadores) nessa série. A estória se inicia com os problemas de Joan e Bette para achar papéis e a dificuldade para se sustentar nessa indústria com as suas respectivas idades. Com isso, a personagem de Lange procura um papel e se depara com o livro que dará inicio o único filme que as duas atrizes fizeram juntas What ever happen to baby Jane? (1962). O programa de televisão consegue traduzir muito bem a vida pública (no set e com a impressa) e a privada com os respectivos conflitos familiares de cada uma. A produção do filme já se inicia no piloto e atinge seu clímax e conclusão no terceiro episódio, o que nos mostra o quanto a história anda e avança, sem enrolação. Logo, a narrativa nos leva mostra a recepção do público e como essa película impactou as suas vidas (ou deu um suspiro em suas carreiras). Anunciado os indicados ao Oscar de 63’ e acompanhamos a estória chegar a seu clímax naquela noite. Os fatos públicos são muito bem utilizados para a construção fictícia, assim como rumores, livros, filmes, tudo é utilizado para escrever a série.

Feud

O roteiro do seriado é astuto, bem pesquisado, planejado e eficiente no que se refere ao desenvolvimento de personagem e trama. Ele utiliza muito bem o artificio de uma entrevista (o documentário) para narrar fatos que são importantes para a estória e para conhecer, e conhecer mais esses personagens, traz conflitos sólidos e com temáticas interessantes. Os diálogos são bem escritos, sem exposição desnecessária, têm um vigor e reforçam as reações dos atores, por conta do clima cômico ácido estabelecido pelo roteiro. Podemos observar isso na cena em que Joan entra no teatro para falar com Bette a respeito do futuro projeto em que as duas estarão What ever happen to baby Jane? onde farpas são trocadas constantemente e cada palavra ou olhar revelam coisas sobre aquelas personagens. Isso estimula a audiência a perceber as pequenas expressões, palavras, gestos e ações dos indivíduos. Tais qualidades são frutos de uma eficiente direção, a qual tira tudo que se pode desse elenco estelar, ocasionando cenas memoráveis. Outro ponto forte do roteiro é a criação de um universo rico de referências cinematográficas e a metalinguagem, de uma produção sobre uma produção. Dando um bom espaço de tela e aprofundamento para as duas protagonistas e os vários coadjuvantes, o roteiro e direção conseguem juntar muita coisa em pouco tempo. Isso dá camadas e camadas à trama, esses conflitos principais somados aos conflitos mais periféricos, os quais não são desimportantes nem desinteressantes.

A direção da série é muito boa, pois sabe o exato momento da não fala. Ocasionando diálogos excepcionais, quer seja pelo roteiro ou pela atuação “há coisa que não precisam ser faladas com a boca, mas sim com os olhos”. Por isso, o ritmo da série é interessante cada cena em sua maioria serve para desenvolver e conhecer ainda mais os personagens. Com isso, a estória sempre vai para frente como uma espécie de progressão continua e lhe convida a conhecer mais dessas personas e a esperar mais acontecimentos. No piloto há a impressão de que cada cena é um grande evento e assim acontece, pois os personagens são bens escritos e desenvolvidos em uma quantidade de tempo razoavelmente curta.

Feud

O conflito está presente em quase todos os personagens: conflitos internos e externos e a intersubjetividade. Não somente o das atrizes (que é explicitado nas cenas finais do piloto – jantar com Hedda Hopper), mas diversos conflitos são desenvolvidos pela série, sendo o familiar o mais recorrente. Eles estão presentes na trama de vários personagens como a do Robert Aldrich (Alfred Molina), o diretor de What ever happen to baby Jane? (a estabilidade de seu casamento e a relação difícil com sua mulher); Pauline, a assistente do diretor, com problemáticas ligadas às questões de gênero (conseguir um emprego num ambiente tão machista como o do cinema da década de 60) e no desenvolver da estória de outros personagens como a de Hedda Hopper; Jack L. Warner entre outros. As protagonistas possuem conflitos internos referentes ao modo de criação de suas respectivas filhas, as duas querem o que acham o melhor para as suas filhas, mas ao mesmo tempo cultivam relações difíceis de manter e suportar (em especial a relação de Bette com sua filha, a qual também participa da produção do filme). Joan tem contestações sobre “o seu eu” (reflexo do exterior para o interior: como a sociedade da época somada à indústria cultural a moldava em relação ao comportamento) “Eu criei uma mulher para os outros, Joan Crawford! Eu não sei quem eu sou quando estou sozinha!” (Seu nome verdadeiro era Lucille Fay Le Sueur). Já Bette se questionava sobre a pressão de ser a maior artista que hollywood já viu e como o trabalho era superposto em comparação as relações entre marido, filha e outras coisas. São diferentes e diversos conflitos (desde físico: Cena do chute na cabeça “I barely touch her”) desenvolvidos nos episódios desta antologia.

 

“Conflitos nunca são motivados por ódio, conflitos são sobre dor” a fala de Olivia de Havilland interpretada na série pela Catherine Zeta-Jones

Estabelece-se uma nova ótima antologia tão boa quanto American crime story (também criada por Ryan Murphy). As atuações impecáveis de Lange, Sarandon e todo o elenco de apoio são grandes responsáveis por isso. Você já pensou enquanto estava assistindo a um filme ou série: “essa ‘pessoa’ não é real!” ou “esse ator não me convence que ele é este personagem”? isso nem chega a ser cogitado quando se assisti Feud, pelo contrário, os personagens são tão reais e humanos. Eles têm as suas psicologias desenvolvidas pelas excelentes escolhas das palavras e como seus arcos dramáticos (ou seja, o caminho que percorreram durante a temporada) são desenvolvidos, graças ao trabalho dos roteiristas. Direção de arte e o refinamento de cores e texturas de Feud têm a sua importância na estória para externar o processo artístico e a criatividade daquele mundo, o mundo cinematográfico de Bette e Joan nos anos 60. Os criadores criam um universo rico de referências cinematográficas, do mundo da sétima arte. Há vários pontos que podemos levantar para falar sobre a qualidade de Feud: os personagens, as grandes atrizes, fotografia e as cores da série. Tudo isso contribui para no trazer momentos icônicos, excelentes, criar um clima próprio e característico: um drama com um bom timming cômico dentro um contexto de fala (comédia equilibrada com drama, bem dirigidos; e possui uma carga dramática interessante).

Texto enviado por Lucas Daniel                    

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